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Em 25 de janeiro de 2022, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários protagonizou uma decisão que poderia causar impactos muito representativos na indústria de fundos imobiliários.
O caso, para quem não se lembra, foi relacionado ao Maxi Renda FII (MXRF11), administrado pelo BTG, envolvendo a distribuição de seus rendimentos.
A celeuma teve início quando a Superintendência de Supervisão de Securitização (SSE) da CVM, por meio do Ofício n.º 6/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria, solicitou ao BTG que, a partir do recebimento do ofício, passasse a distribuir os rendimentos do MXRF11 somente quando houvesse lucro contábil (no exercício ou acumulado de anos anteriores), conforme metodologia detalhada no ofício em questão.
E o que o BTG contra-argumentou nessa oportunidade?
Nesse ponto, o BTG entendeu que não havia essa limitação do lucro contábil, basicamente, por cinco razões:
- A apuração dos resultados dos FIIs possui um regramento específico, não possuindo a mesma finalidade e efeitos da apuração de lucros de uma sociedade empresarial, por exemplo, não se submetendo à Lei n.º 6404/76 (Lei das SA). Cabe lembrar aqui que fundos de investimento imobiliário sequer constituem uma pessoa jurídica.
- A lei 8668/1993, que normatiza os FIIs, é expressa no art. 10, parágrafo único em prever que a distribuição dos lucros seja apurada em regime de caixa, existindo o dever de distribuir 95% dos lucros auferidos pelo fundo.
- A própria CVM, no Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014 havia evidenciado que o resultado contábil, apurado conforme o regime de competência adotado pelas normas brasileiras e internacionais de contabilidade, seria o ponto de partida para a apuração dos valores disponíveis para a distribuição.
- As informações financeiras auditadas haviam divulgado corretamente os ajustes de valor e marcações a mercado, eventos que, conforme alegou o BTG, deveriam ser contemplados para análises prospectivas e tomadas de decisão, mas que não deveriam influenciar o resultado financeiro do fundo, passível de distribuição.
- Por último, o BTG alegou que havia liquidez e geração de caixa excedente, bem como resultados financeiros constantes, de forma que não haveria qualquer justificativa pela não distribuição do lucro caixa, inclusive, não havendo arcabouço normativo para deixar de distribuir.
O recurso não foi provido pela SSE. Entretanto, é interessante notar o teor do Ofício Circular n.º 1/2014, citado na defesa do BTG, que teve como objetivo orientar os administradores de FIIs sobre a forma de cálculo dos “lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa”, nos termos do art. 10º, parágrafo único, da Lei 8.668/93, para fins de cálculo do valor a distribuir:
2. Entendemos que a base de distribuição prevista no art. 10º, p.u., da Lei 8.668/93, é obtida por meio da identificação das receitas/despesas reconhecidas contabilmente no período de apuração e que foram efetivamente recebidas/pagas no mesmo período. Com isso, o administrador deverá partir do resultado contábil (lucro ou prejuízo) apurado pelo regime de competência em um determinado período e ajustá-lo pelos efeitos das receitas/despesas contabilizadas e ainda não recebidas/pagas no mesmo período de apuração. As receitas/despesas contabilizadas em períodos anteriores, mas recebidas/pagas posteriormente, devem compor a base de distribuição do período em que forem efetivamente recebidas/pagas.
4. Analogamente, qualquer receita/despesa recebida/paga antecipadamente pelo FII não poderá compor a base de distribuição enquanto tal receita/despesa ainda não tiver transitada pelo resultado contábil (lucro/prejuízo) apurado segundo o regime de competência.
5. Observamos ainda que, em algumas situações, os administradores subtraem do lucro contábil apurado no período um montante a título de “reserva de contingência” para fins de cálculo do lucro auferido, apurado segundo o regime de caixa. Ressaltamos que essa retenção de lucro somente é possível se não comprometer o montante de 95% da base de distribuição apurada conforme esse ofício-circular.
6. Por fim, entendemos que o administrador que optar por distribuir o resultado mensalmente aos cotistas deverá observar que, ao final do semestre, no mínimo 95% dos resultados auferidos, apurados com base em caixa, sejam distribuídos, para fins de atendimento ao disposto no art. 10º, p.u., da Lei 8.668/93. Ainda, conforme disposto no art. 12, inc. I, da Lei 8.668/93, lembramos que é vedado ao administrador adiantar rendas futuras aos cotistas.
O item 2 do ofício traz informações relevantes acerca do conceito “Lucro Caixa”. Isso porque essa expressão não é a das mais técnicas possíveis. Em contabilidade quando se fala em lucro, referimo-nos ao lucro contábil, apurado segundo o regime de competência. O termo “Lucro Caixa” foi cunhado para tentar facilitar o entendimento da apuração do resultado financeiro.
Nesse sentido, a orientação do ofício é que, para a apuração do “Lucro Caixa” parte-se do lucro apurado segundo o regime de competência na Demonstração de Resultados do Exercício.
A partir desse lucro deve ser feito um ajuste de forma que: (i) adicione as despesas não pagas e (ii) subtraia as receitas não recebidas. Dessa forma, ajusta-se o lucro contábil ao fluxo de entradas e saídas de caixa.
Caso, em um momento posterior, as despesas que não foram pagas e as receitas não recebidas se realizem há um ajuste na distribuição do período, equilibrando-se o fluxo financeiro. Dessa forma:
- No ano 1, um FII apura um lucro contábil de R$ 100 mil e tem R$ 50 mil de receitas não recebidas e R$ 20 mil em despesas não pagas. Seu “Lucro Caixa” será de R$ 70 mil, devendo distribuir, no mínimo 95% desse valor;
- No ano 2, o mesmo FII apura lucro contábil de R$ 150 mil, recebendo as receitas e pagando as despesas de competência do ano 1. Nesse caso, o “Lucro Caixa” seria de R$ 180 mil, devendo distribuir 95% desse valor, no mínimo.
Não há nenhum problema com a orientação trazida por esse ofício. Contudo, existe um espaço para discussão sobre quais são as rubricas que consideradas para fins de ajustes do lucro contábil para se chegar ao “Lucro Caixa”, o que parece ensejar um amplo espaço para interpretações por partes das administradoras.
Antes de prosseguir, parece prudente fazer uma diferenciação entre duas situações que podem ocorrer nos fundos de tijolo, fundos de fundos e fundos de recebíveis.
A primeira situação ocorre, em geral, em relação aos fundos predominantemente de tijolo. Nesses FIIs, os ajustes que impactam o resultado contábil – mas não o fluxo financeiro – em regra, são provocados por ajuste ao valor justo dos imóveis. Isso está expresso no parágrafo único do art. 2º da Instrução CVM n.º 516/2011:
Art. 2º Os FII devem aplicar os critérios contábeis de reconhecimento, classificação e mensuração dos ativos e passivos, assim como os de reconhecimento de receitas e apropriação de despesas, previstos nas normas contábeis emitidas por esta Comissão aplicáveis às companhias abertas, ressalvadas as disposições contidas nesta Instrução.
Parágrafo único. Os ganhos ou as perdas resultantes da avaliação de ativos ou de passivos do fundo, ainda que não realizados financeiramente, devem ser reconhecidos no resultado do período
Por sua vez, os fundos predominantemente de papel também encontram um regramento análogo, já que o art 17. E o art. 18, §4º determina que haja a provisão para perdas em relação a ativos financeiros avaliados pelo custo amortizado:
Art. 17. Provisão para perdas deve ser reconhecida sempre que houver evidência de redução no valor recuperável dos ativos financeiros do fundo avaliados pelo custo amortizado.
Art. 18. A perda por redução no valor recuperável deve ser mensurada pela diferença entre o valor contábil do ativo e o valor presente do novo fluxo de caixa esperado calculado após a mudança de estimativa. […]
§ 4º A contrapartida do registro da perda deve ser feita no resultado do período.
E o art. 20, autoriza a reversão das perdas constituídas:
Art. 20. A reversão da provisão por perdas anteriormente constituída deve ser feita desde que haja uma melhora na estimativa anterior de perdas de créditos esperadas.
Desse modo, se um fundo de tijolo apura um lucro contábil de R$ 100 mil, mas houve um ajuste de avaliação a valor justo positivo de seus imóveis em R$ 10 mil, o “Lucro Caixa” seria equivalente a R$ 90 mil. Por outro lado, se esse ajuste fosse negativo em R$ 10 mil, considerando-se o mesmo lucro contábil, o “Lucro Caixa” seria equivalente a R$ 110 mil.
Assim, se no primeiro caso percebemos um lucro contábil superior ao lucro caixa, no segundo notamos o lucro caixa superior ao contábil. E qual o valor a ser distribuído a título de rendimentos, em ambos os casos? A resposta é simples: no mínimo 95% do “Lucro Caixa”, desde que, evidentemente, haja caixa disponível para distribuir.
Do mesmo modo, caso um fundo de papel aufira um lucro contábil de R$ 100 mil, e haja a constituição de provisão para perdas em um determinado CRI de R$ 10 mil, o “Lucro Caixa” seria de R$ 110 mil, devendo no mínimo 95% disso ser distribuído aos cotistas.
Se no ano seguinte há a reversão dessa perda de R$ 10 mil e o fundo de papel tenha um lucro contábil de R$ 150 mil, o “Lucro Caixa” desse fundo será de R$ 140 mil, devendo distribuir no mínimo 95% desse valor.
Em relação a essas duas situações, não há muitas dúvidas, uma vez que a Instrução CVM n.º 516/2011 possui regramento claro que orienta as situações de ajustes de avaliação dos imóveis (art. 2º, parágrafo único) e também de ajustes em ativos financeiros pela marcação a mercado (art. 18, §4º), que devem ser lançados no resultado do período, alterando o lucro contábil.
Entretanto, em relação a isso, poderia surgir uma grande dúvida, uma vez que, quando uma avaliação do valor justo do imóvel ou a marcação a mercado do título são lançadas no resultado do período, há a alteração do lucro contábil. E como então, poderia se ao lucro caixa?
Isso porque, em uma situação que haja um ajuste ou uma marcação muito impactante para baixo, a ponto de praticamente zerar o lucro contábil, o fundo ficaria impossibilitado de distribuir o rendimento, já que não teria lucro passível de distribuição, em outras palavras, não haveria lucro contábil que lastreasse a distribuição dos rendimentos.
Assim, mesmo que o fundo tenha em caixa as receitas de aluguel ou os rendimentos dos títulos ou, ainda, das próprias cotas de FIIs de seu portfólio, ele não poderia distribuir isso, a título de rendimento, para seus cotistas.
Por outro lado, um ajuste ao valor justo ou uma marcação a mercado muito impactante para cima também é capaz de inflar tanto o lucro contábil, até o ponto de o FII não ter caixa suficiente para distribuir esse lucro.
É nesse sentido que recordo que o Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014 veio solucionar esse problema, informando que, para se chegar ao “Lucro Caixa”, devemos partir do lucro contábil e fazer os ajustes das receitas não recebidas ou despesas não pagas, “neutralizando” o efeito das rubricas que não têm impacto financeiro direto na DRE.
Assim, se determinadas receitas ou despesas não financeiras em um primeiro momento impactam a demonstração do resultado do FII, em um segundo, elas seriam anuladas para fins de apuração do “Lucro Caixa”.
Como foi dito, esse ofício introduz uma disposição apenas genérica acerca do que se pode tirar ou acrescentar ao lucro contábil para se chegar ao “Lucro Caixa”. Persiste, porém, uma grande margem para interpretação sobre quais rubricas podem ser retiradas ou acrescidas a esse lucro contábil para apuração do “Lucro Caixa”.
E essa discussão se faz muito presente no âmbito dos fundos preponderantemente de recebíveis, tal como é o MXRF11, que podem sofrer outros ajustes, além dos previstos na Instrução CVM n.º 516/2021.
Nos fundos de recebíveis, podemos nos deparar com outras rubricas que alteram a apuração do “Lucro Caixa”, uma vez que, além da variação dos CRIs por marcação a mercado, decorrente da alteração da curva de juros, há e variação dos títulos em consequência da inflação (index, em regra, desses títulos), funcionando também como uma remarcação desse CRI.
Além disso, as Perdas Estimadas com Crédito de Liquidação Duvidosa (PECLD) também configuram uma rubrica muito comum nesses fundos, uma vez que a constituição dessas perdas, considerando o risco ao qual um CRI está submetido, também é recorrente.
Sobre essa última rubrica, ainda que ela não seja um gasto efetivo, ela é uma expectativa provável de perda. Nesse sentido, seria razoável deduzir essa parcela do lucro contábil, não entrando para a distribuição do rendimento.
A natureza da PECLD, portanto, é diferente de uma marcação a mercado a menor (decorrente da curva de juros), uma vez que, embora ambas sejam despesas das quais não fluam caixa de imediato, a PECLD é calculada com base em projeções realistas e que muitas das vezes se concretizam.
Assim, seria razoável, ao ajustar o lucro contábil para se chegar ao “Lucro Caixa”, não acrescentar o montante da PECLD que foi deduzido na DRE. Em outras palavras, seria prudente não considerar essa parcela como apta a ser distribuída na forma de rendimentos aos cotistas, já que, muito provavelmente, a perda irá se concretizar, comprometendo a saúde financeira do FII no futuro.
Similarmente, na contabilidade de instituições financeiras, é muito comum constituir a PECLD, afetando-se o lucro líquido e, por decorrência, reduzindo-se o dividend yield.
Dessa forma, na visão desse analista, o Ofício Circular n.º 1/2014 deveria delimitar melhor o alcance de quais rubricas devem ou não ser acrescidas ou subtraídas do lucro contábil, a fim de se chegar no “Lucro Caixa”.
O que foi decidido na primeira decisão do colegiado da CVM?
Voltando ao processo relativo ao MXRF11, vimos que o BTG recorreu à própria Superintendência de Supervisão de Securitização, que não proveu o recurso.
O recurso, contudo, foi remetido à consideração superior e foi apreciado pelo colegiado da CVM, que decidiu, por maioria (e não por unanimidade nesse momento) pelo seu provimento parcial. Decidiu-se, nos termos do relator, Diretor Fernando Galdi, que:
(i) caso o valor a ser distribuído pelo FII, calculado de acordo com o parágrafo único, art. 10, da Lei n° 8.668/1993 e Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014, combinados com as determinações do Regulamento, seja superior ao montante do lucro do exercício adicionado ao dos lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior, o montante distribuído em excesso à soma do lucro do exercício adicionado dos lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior deve ser tratado contabilmente como amortização de cotas ou devolução do capital; e
(ii) há a possibilidade, em linha com o entendimento do Colegiado de 17.03.2015, de, no caso em que o valor a ser distribuído pelo FII seja superior ao montante do lucro do exercício adicionado dos lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior, a assembleia deliberar pela distribuição inferior ao montante calculado de acordo com o parágrafo único, art. 10, da Lei n° 8.668/1993 e Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014, combinados com as determinações do Regulamento.
Ficou decido, portanto, que:
- O valor máximo que pode ser distribuído por um FII é o valor do seu lucro contábil, considerando, ainda, os lucros acumulados e reservas de lucros constituídos em outros períodos.
- Caso o FII decida distribuir um valor maior do que “a”, ele pode fazê-lo, mas a título de amortização de cotas ou devolução de capital (o que trará efeitos tributários que veremos a seguir)
Implicações dessa decisão
Isso traria uma implicação muito grandes no futuro para os fundos de recebíveis, especialmente nos fundos que distribuem a inflação atrelada tanto à parcela paga a título de juros quanto a título de amortização desses títulos. Isso porque, a partir do momento que a inflação começar a cair vai haver uma redução drástica do lucro contábil e, a cada ano que passar, dos lucros acumulados e reservas de lucros constituídos em outros períodos.
Dessa forma, não haverá outra solução senão o rendimento cair – a não ser, é claro, que o fundo desejasse, com base no entendimento dessa decisão da CVM, distribuir por meio de amortização (das cotas) ou devolução de capital.
Na prática, os fundos de recebíveis quase não acumulam ajustes à marcação a mercado, uma vez que eles estão constantemente amortizando os seus títulos, ou girando a carteira de CRIs.
Assim, em situações de marcação a mercado para baixo, os FIIs de CRIs teriam seus lucros contábeis reduzidos sem, no entanto, contar com uma reserva de lucros passados. Por sua vez, os FIIs iriam reduzir seus rendimentos.
Nos FIIs de tijolo, por sua vez, o impacto seria menor, uma vez que o FII preponderantemente de tijolo não fica com o seu imóvel sendo amortizado ou girando seus imóveis com frequência. Assim, teriam uma boa folga de lucros acumulados que poderiam ser utilizados para servir de lastro para o “Lucro Caixa” de um período em que este seja maior do que o lucro contábil.
O problema maior, entretanto, seria em relação aos FOFs. Assim como nos FIIs de recebíveis, esses fundos giram bastante a sua carteira e, por sua vez, não acumulam lucros passados. Assim, quando houver alguma marcação a mercado para baixo, eles terão que diminuir os seus rendimentos, já que não teriam reservas para acionar.
Apesar disso, lembro que a Instrução CVM n.º 516/2011 nada diz sobre os FOFs lançarem no seu resultado a reavaliação das cotas dos FIIs de suas carteiras no resultado. A instrução é silente quanto a isso, não obrigando expressamente os FOFs a procederem a esse lançamento. Há, contudo, divergência nesse entendimento, havendo FOFs que lançam a variação a mercado de suas cotas no resultado e outros não, como é o caso do XPSF11.
Qual o problema de distribuir o excedente como amortização?
O fato de um FII distribuir amortização ao cotista guarda repercussões tributárias gravíssimas, em relação ao imposto de renda.
Isso porque ao distribuir a amortização, o custo médio de aquisição da cota de um FII diminui.
Ao diminuir o custo médio, caso o investidor decida vender a cota no futuro, este auferirá um maior ganho de capital.
Por exemplo. O custo médio de um FOF na carteira do investidor é de R$ 100. Entretanto, o FII decide distribuir R$ 10 em amortização.
O procedimento contábil nesse caso seria reduzir o custo médio da cota para R$ 90.
Além disso, imagine que o valor da cota desse FOF está a R$ 120. Perceba que, caso a cota não fosse amortizada, o ganho de capital seria de R$ 120 – R$ 100, isto é, de R$ 20.
Contudo, uma vez que o foi, o ganho de capital registrado é de R$ 120 – R$ 90, equivalente a R$ 30 reais.
Em ambas as situações a alíquota do imposto de renda é de 20%. Assim, caso o FOF tivesse distribuído os R$ 10 como rendimento e o investidor decidisse vender a cota em um momento futuro, ele deveria pagar R$ 4 de imposto de renda.
Entretanto, o FOF foi amortizado, e, dessa forma, o imposto de renda será de R$ 6.
O que ficou decidido na segunda decisão do colegiado?
O BTG, discordando desse entendimento, entrou com pedido de reconsideração, que, por unanimidade, foi provido em 17 de maio de 2022.
A decisão, que reverteu o entendimento firmado em 25 de janeiro, preconizou que:
Ante o exposto, o Colegiado, por unanimidade, deu provimento ao pedido de reconsideração da Requerente, e, reconsiderando entendimento da Decisão anterior, decidiu reconhecer a regularidade do tratamento contábil dado à distribuição de Lucro Caixa Excedente em prejuízos/lucros acumulados, e não como amortização de cotas integralizadas, observadas, prospectivamente, as considerações feitas a respeito dos aspectos informacionais necessários à adequada proteção dos investidores, dada a coexistência de elementos pertinentes a regimes distintos de apuração e distribuição de lucros pelo Fundo.
Dessa forma, a distribuição acima do lucro contábil como amortização cai por terra, que passa a ser chamada de “Lucro Caixa Excedente em prejuízos/lucros acumulados”
É oportuno, ainda, notar outros aspectos da decisão com o objetivo de trazer mais transparência em relação à divulgação da informação:
E, ainda, com o objetivo de complementar o regime informacional e conferir ampla transparência aos investidores, dentro das competências atribuídas a esta CVM nos termos da Lei nº 6.385/1976, entendeu o Colegiado que esclarecimentos devem ser divulgados pelo administrador fiduciário do Fundo, nos avisos ou informes enviados aos cotistas, de modo a possibilitar fácil compreensão no sentido de que os valores de Lucro Caixa Excedente distribuídos (se houver) superam o lucro contábil, que pode ser impactado por avaliações a valor justo, dentre outros eventos contábeis, bem como esclarecimentos quanto aos riscos envolvidos.
Por fim, em nome da segurança jurídica para o mercado de fundos imobiliários, o Colegiado da CVM sinalizou que a questão da divulgação da informação “deverá entrar oportunamente na pauta regulatória da Autarquia, para fins de padronização e aprimoramento das regras aplicáveis, dentro de uma revisão mais ampla da Instrução CVM n° 516/2011, no âmbito de audiência pública.”
Nesse sentido, já foi marcada uma live da própria CVM no dia 19/05, que pode ser acessada pelo canal CVM Educacional no Youtube.
Como conclusão disso tudo, podemos ter a certeza de que o mercado de FIIs está em constante evolução e o tratamento contábil é algo que merece ser padronizado, tanto para maior transparência com relação ao investidor, quanto para a solidez do próprio mercado, evitando tratamentos questionáveis à luz da regulação, que, ao que parece, está disposta a trabalhar para melhorar a dinâmica dos FIIs